Sou Educadora de infância há 13 anos e nunca cheguei ao final de um ano letivo a sentir-me tão esgotada como este ano. Trabalho numa escola com os valores morais certos, tenho um ambiente de trabalho muito saudável, uma equipa de pessoas e profissionais fabulosa e um projeto pedagógico na qual me revejo totalmente.
O jardim-de-infância onde trabalho não tem ecrãs disponíveis e há muito que decidimos remar contra a maré que teima em permitir o acesso precoce às novas tecnologias. Chego esgotada ao final do ano letivo por sentir que estou a concorrer com um inimigo de peso: 𝓸 𝓾𝓼𝓸 𝓭𝓮 𝓽𝓮𝓵𝓮𝓶ó𝓿𝓮𝓵 por parte de crianças com 2/3/4 ou 5 anos. De repente as crianças aos 3 anos de idade falam português do brasil recorrentemente (sem serem de nacionalidade brasileira), o castanho passou a chamar-se marrom e o tik-tok transformou-se em conteúdo educativo.
Os Pais alienaram-se da parentalidade e as crianças estão a ser educadas pelo Youtube. As refeições passaram a ser feitas enquanto olham para um ecrã e quando se deparam com os pratos de comida da escola (sem ecrã para onde olhar) não reconhecem metade dos alimentos, muito menos a sua origem.
Nunca em outra época se viram níveis de autonomia tão diminutos e tão pouca relação com os livros de histórias. Há crianças a teclar nos livros de histórias, como se botões tivessem. Como é que eu, Educadora que conta uma história sentada no chão com as perninhas à chinês, consigo rivalizar a um ecrã? Os ecrãs geram super estimulação e por isso as crianças perderam a capacidade de se sentirem aborrecidas (o aborrecimento gera criação ou improvisação de novas brincadeiras) pois habituaram-se a "arrastar para o lado" o que não gostam. Fácil não é? As crianças estão a perder a capacidade de encontrar soluções para os problemas, de gerir a frustração, de autoregularem as emoções. A tudo têm acesso através de um pequeno aparelho como se Mundo coubesse nele. Não cabe.
De repente, a voz das Educadoras e Auxiliares tornou-se pouco interessante para as crianças e ouvir o adulto é uma excepção à regra. Os índices de perda de acuidade visual estão elevadíssimos (as crianças começam a usar óculos cada vez mais cedo). É difícil equiparar-me com um telemóvel, com o estímulo constante que é um ecrã, com a sobreposição frenética de temas e com a inércia que um telemóvel alberga. O telemóvel não exige esforço e o pensamento crítico nas crianças começa a entrar em declínio. De repente, o brinquedo preferido das crianças de 3 anos é o telemóvel da Mãe e as peças de legos da área dos jogos são deslocadas para criar telemóveis e botões.
As crianças estão mais agitadas do que nunca e com uma visão redutora do Mundo, com menos empatia pela Natureza e fisicamente menos disponíveis para simplesmente correr ou saltar. Fazer bolinhas de areia deixou de ser interessante. O cuidado e a sensibilidade para com os animais é pouco natural e brincar na rua pouco apelativo. Estão-se a perder competências sociais e a relação com os pares tem que ser amplamente estimulada ou não existe. Os gestos físicos de maior agressividade são frequentes porque as crianças transferem os jogos de telemóvel para as relações interpessoais.
Os Avós referem o enorme fosso geracional que existe para acompanhar os netos no acesso às tecnologias e as dificuldades do foro linguístico estão em crescente (neste domínio prefiro deixar falar as Terapeutas de fala).
Dizem os números que daqui a 30 anos haverá pouquíssimas Educadoras (ou Educadores) de infância em Portugal e os números de ingresso ao curso na faculdade baixaram 20% já este ano. As Educadoras de infância que conheço estão desacreditadas e a grande maioria já deixou a profissão. Urge acordar.
A decisão de expor uma criança ao telemóvel é tão simples quanto a de não expor. É uma decisão que se toma, que se assume e é da responsabilidade de todos aqueles que participam na vida das crianças. Não sei que caminho tomaremos em Portugal no que respeita à primeira infância, sei apenas que é cada vez mais desafiante ser Educador nos tempos que correm e acreditem, a raiz do problema não são as crianças.
As crianças são crianças, absolutamente incríveis, em qualquer escola ou parte do País. No meu caso em particular, ainda é por elas, sempre elas, que me mantenho na profissão. Desde cedo que aprendi a importância de ter conversas difíceis, de conversar sobre assuntos que nos inquietam para que a inquietação dê lugar à mudança. As Educadoras de infância precisam ser olhadas, escutadas.
Toda a gente sabe que ser Educadora é ser coração e se há algo que as tecnologias ainda não substituem, é o afeto, a sensibilidade, a compaixão e o coração. Venha a mudança, eu quero fazer parte. Este texto não é sobre nenhuma criança ou família em particular, é apenas a MINHA perspetiva, reescrita.
O meu nome é Silvana e sou Educadora de infância há 13 anos. Actualmente exerço funções de Directora Pedagógica numa IPSS de cariz social da qual muito me orgulho, estou rodeada de pessoas e profissionais fantásticas que acolhem com o coração. Simultaneamente sou a Educadora responsável de uma sala de jardim-de- infância. Olho a primeira infância como um pequeno tesouro que exige cuidado, compreensão, empatia e um olhar atento. As conversas difíceis não me demovem e revejo-me na inquietude de pensamentos como propulsor à mudança. Gosto de conversar sobre a minha profissão e tudo o que a envolve e sou uma admiradora convicta de quem a escolheu.
Para seguirem a Silvana: https://www.facebook.com/silvana.almeida.583
Partilhamos hoje aqui o texto da Silvana, com o seu consentimento, pois consideramos que esta é uma realidade que já não podemos ignorar. E, como sabem, todas as pessoas que partilham das nossas ideias/valores/
e lutas/angustias gostamos de integrar na nossa comunidade. Porque juntos somos mais fortes para impulsionar a mudança que queremos ver acontecer.
Urge pensarmos juntos nesta realidade.
Nós adultos, somos os responsáveis e , como tal, podemos e devemos agir, quanto antes, para priorizar o desenvolvimento integral saudável das nossas crianças.
Não queremos nem podemos continuar a viver esta competição árdua com os ecrãs, com o estímulo constante, com a sobreposição frenética de temas e com a inércia que um dispositivo eletrónico proporciona.
O uso excessivo dos ecrãs está a prejudicar o crescimento físico, cognitivo, social e emocional das nossas crianças.
Vamos trabalhar juntos para promover uma infância feliz, equilibrada e saudável e cheia de oportunidades para as nossas crianças.
Partilha connosco nos comentários a tua visão sobre esta realidade! 💛
Para quem quiser ler um pouco mais sobre a investigação feita até hoje sobre o tema (em inglês) podem encontrar neste link: https://mediafasting.org/research/
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