Depois da quantidade de interações que o último artigo causou, pensámos ser importante descrever hoje alguns aspectos a considerar na importante transição pela qual as crianças passam no seu amadurecimento, indicando que estão prontas para o primeiro ciclo. Cabe a nós, educadores, ajudar os pais neste processo e fazê-los parte da decisão. Percebemos pelos vossos comentários que este é um tema que cada vez mais preocupa pais e educadores. Muitas vezes, este processo é feito conforme manda a lei, sem ter em conta o impacto que pode ter no percurso escolar futuro da criança.
A discussão entre pais e professores sobre a prontidão escolar sempre foi um evento importante para nós. No entanto, em muitas situações, parece ter-se tornado uma não questão, resumindo-se apenas à data de nascimento da criança.
Na nossa experiência, este é um marco decisivo na vida da criança e, como tal, uma abordagem eficaz entre nós tem sido, em primeiro lugar, concentrarmo-nos – educadores e pais juntos – nas necessidades da criança, e não num conjunto de noções pré-concebidas baseadas no que “todos os outros” estão a fazer.
Ao longo da nossa experiência, percebemos que a nossa capacidade, enquanto educadores, de partilhar observações concretas e precisas da criança, é o fator-chave para ganhar a confiança dos pais numa tomada de decisão consciente.
Muitas vezes, quando a prontidão da criança está em questão, é-nos útil salientar que os resultados de uma colocação precoce no primeiro ciclo podem não ser evidentes por vários anos, mas eventualmente surgirão. Além disso, as crianças despreparadas não 'alcançam' mais tarde os seus pares ao longo do seu percurso escolar, acabando muitas vezes por ter um percurso sempre em esforço. Mas, como em tudo, precisamos saber demonstrar as causas.
Ao conversar com pais de crianças cuja prontidão está em dúvida, é importante que o educador seja capaz de descrever o que essa criança em particular ganharia ao passar mais um ano no jardim de infância. Frequentemente, os pais questionam se o ano seguinte será simplesmente uma repetição do anterior. O educador deve explicar que uma criança apenas retira de uma experiência aquilo para o que está pronta, e como tal, cada ano será vivido de forma diferente, pois as suas capacidades crescem com ela. É especialmente importante ajudar os pais a sentirem-se confiantes de que o educador irá desenvolver tarefas e atividades mais desafiadoras, e que o currículo é ajustado às necessidades do grupo de crianças. Aqui temos de salientar, mais uma vez, a importância de não termos grupos apenas por idades, uma vez que esta escolha muitas vezes entra em conflito com as verdadeiras necessidades das crianças.
O educador terá então de ter em mente as necessidades das crianças mais velhas, quase prontas para o primeiro ciclo, garantindo que sejam oferecidas experiências para desafiá-las e ajudá-las a crescer no ano seguinte, sempre sem pressionar.
Algo que ajuda os pais é pedir-lhes que considerem a prontidão dos seus filhos, imaginando a criança no ambiente do primeiro ciclo (tendo sempre em conta que ainda faltam vários meses) e com as crianças que estarão naquele grupo.
Sabemos que manter uma criança no jardim de infância por muito tempo pode ter riscos. Tal situação pode surgir se não houver salas heterogéneas e a criança sentir que foi retida por ser menos capaz. Cabe sempre aos adultos não transmitir esse sentimento à criança. Ou talvez, o educador não consiga providenciar um programa desafiante para as crianças mais velhas.
Nesse caso, as necessidades da criança não serão atendidas, podendo surgir problemas de infelicidade ou disciplina. No entanto, parece-nos claro que há maior probabilidade de cometermos um erro ao colocar a criança cedo demais do que tarde demais, levando muitos educadores a pensar: 'Na dúvida, é melhor esperar!' Apesar de sabermos que esta não é a tendência da nossa sociedade, devemos combatê-la.
Também pode haver situações em que deve ser determinado se uma criança precisa de mais um ano de jardim de infância, mesmo estando cronologicamente pronta, quando há um problema de desenvolvimento que precisa ser resolvido (emocional, por exemplo).
Um educador deve manter um diálogo aberto com os pais e partilhar todas as questões que vão surgindo, para eles poderem observar por si mesmos. Dessa forma, os pais sentir-se-ão à vontade para expressar as suas dúvidas de forma aberta e honesta, e um diálogo mutuamente útil pode ocorrer. Na nossa experiência, os pais devem fazer parte do processo que leva a uma recomendação final. E é importante não esquecer, no caso de colocação em situações questionáveis, que a palavra final terá sempre de ser dos responsáveis pela criança, os pais, e por isso é tão importante sabermos justificar as nossas considerações, para os ajudar a tomar a melhor decisão com todos os dados.
Por isso é importante deixar claro que a criança não passa apenas por um processo, mas sim por dois. Há um primeiro processo em que a criança atinge a maturidade de pensamento, e depois outro em que atinge a prontidão escolar. Por vezes, uma criança alcança os dois ao mesmo tempo, tornando-se relativamente fácil para os educadores ficarem convictos da sua maturidade escolar. Mas, muitas vezes, a criança alcança uma antes da outra, o que torna a decisão mais difícil.
O terceiro aspecto do desenvolvimento do pensamento é a Reflexão. Aqui podemos distinguir três fases:
Fase A - Fazer perguntas: Quando a infância chega ao fim, a criatividade sem limites é naturalmente refreada. Quando uma criança começa a fazer perguntas como 'Por que estás a fazer...? Por que é que...?', ela sai do fluxo de imagens, fora do jogo. A criança interrompe temporariamente o fluxo de eventos. O primeiro impulso para esta fase vem quando a criança aprende a pensar no terceiro ano de vida, ao começar a dizer 'Eu'.
Fase B – Depois de pensar: Os processos de pensamento das crianças de dois anos e meio são provisórios, temporários. Ao dizer 'eu', a criança simultaneamente diz 'não-eu' ao resto do mundo. Uma distância inicial forma-se quando a criança começa a ser um pouco obstinada nos seus questionamentos. Nessa fase, as perguntas surgem após os eventos, como pensamentos posteriores.
Fase C – Pré-pensamento: A partir dos cinco anos e meio, as crianças adquirem o 'pré-pensamento'. Elas podem começar a fazer perguntas sem qualquer motivação externa, como 'O sol é tão grande quanto a lua?'. Como adulto, como respondes a isso? A quem a pergunta é realmente dirigida? E precisa essa pergunta ser respondida? Neste passo evolutivo, a criança realmente diz: 'Decidi parar o fluxo, confiar que se formou um espelho no meu cérebro (onde os conceitos ficam gravados), e decido colocar esse espelho à disposição do meu processo de aprendizagem'. Ficando paradas, usando a imaginação e fazendo perguntas, as crianças criam padrões de pensamento no cérebro. Elas vão polindo o espelho até conseguirem ficar paradas diante das imagens que lhes são oferecidas na escola sobre a realidade do mundo. Assim, podem formar pós-pensamentos e pré-pensamentos, e criar 'pós-imagens' e 'pré-imagens'. Também conseguem criar imagens emocionais ou de humor, permitindo que se sintam em casa num mundo que agora podem começar a entender. Elas realmente querem saber o que é o mundo e como ele funciona: alcançaram a maturidade de pensamento.
Se supusermos que a primeira fase da infância dura sete anos, como defende a pedagogia Waldorf e muitos países, então uma criança de seis anos está antes de um limiar. Mas, na verdade, existem dois limites: o primeiro é a consolidação do instrumento do pensar, o 'espelho' que é o cérebro, como mencionado anteriormente; a segunda é a capacidade de absorver tudo o que há para aprender de forma autónoma, utilizando a sua vontade, o que daria origem a outro texto.
A criança de seis anos tem a tarefa de terminar de polir o espelho e de formar o seu corpo físico. Quando ela completa este processo, o seu corpo físico estará à sua disposição como um órgão de referência para o aprender ao longo de todo o seu percurso escolar. Os seres humanos aprendem com todo o corpo, não apenas com a cabeça. Quando o corpo não está pronto, mas é forçado a aprender, ocorre um tipo de 'amadurecimento de emergência'. E, como já vimos, esta utilização precoce do corpo físico como instrumento de aprendizagem pode levar a distúrbios de aprendizagem e, frequentemente, a problemas de saúde.
É muito melhor permitir que a criança crie coragem e dê o salto por si própria, do que forçá-la a amadurecer. Podemos ajudá-la nos passos que levam a isso, mas devemos ser pacientes e dar-lhe espaço e tempo para encontrar a força necessária em si mesma. Quando as circunstâncias são convidativas e a criança se sente pronta, ela atreve-se a mergulhar na aprendizagem formal de corpo e alma, porque a altura é a certa.
Se queremos que a criança se desenvolva de forma saudável e harmoniosa, não podemos deixar que a cronologia defina a sua biografia escolar. Existem diretrizes para a observação que podem ser uma grande ajuda. As seguintes, organizadas de forma muito resumida, são oferecidas para esclarecer o tema. Contudo, nenhum conjunto de diretrizes deve ser considerado como uma 'folha de pontuação' ou checklist. Se uma criança apresenta oito dos dez pontos, não vamos gritar: 'Ok, ela está pronta!'. Nada pode substituir o conhecimento do educador e dos pais sobre a criança individual; as listas são apenas uma referência.
É raro que uma criança mostre todas as características de prontidão num determinado momento. Nunca esquecer que a prontidão é, na verdade, um processo e não um ponto estático. Por isso, devemos sempre considerar os elementos de observação ao longo da biografia da criança e a nossa experiência.
Diretrizes dentro da Pedagogia Waldorf que nos fornecem indicadores de prontidão da criança para o primeiro ciclo:
● Mudanças no desenvolvimento físico e na coordenação — mudança de dentes e alteração do contorno e proporção do corpo; capacidade de se mover com mais coordenação e intenção.
● Amadurecimento emocional e social — fazer amigos, adiar desejos pessoais para as necessidades do grupo, ter interesse e desejo de trabalhar.
● Desenvolvimento de novas habilidades linguísticas e consciência de palavras e sons — rimar, mudar o ritmo da fala e da música, ser capaz de ser dirigida através da fala sem precisar de um modelo para imitar.
● Novas habilidades perceptivas — capacidade de reconhecer e reproduzir a diagonal e cruzar a linha média vertical.
● 'Aterramento' dos desenhos com simetria de direita e esquerda, bem como de cima e de baixo.
● Despertar da imagem interior através da imaginação em oposição ao brincar fantasioso em que algo no ambiente estimula e dirige o brincar.
● Aparecimento da memória evocada à vontade — repetir uma história a pedido ou realmente responder: 'O que fizeste no jardim de infância hoje?'
● Passar da imitação à autoridade — procurar e responder positivamente à autoridade adulta.
NOTA: Este é um tema vastíssimo e que nos encanta. Se ficaste curioso/a e queres saber mais sobre o mesmo, junta-te ao nosso Workshop, onde iremos desenvolver este tema. Vamos ajudar-te a tomar decisões conscientes, baseadas em muito mais do que uma simples data de nascimento.
BIBLIOGRAFIA:
(1) Ogletree, Earl J. 'Waldorf Education: Theory of Child Development and Teaching Methods', 1997.
(2) Luella Cole, 'The Improvement of Reading with Special Reference to Remedial Instruction', Farrar and Rinehart, 1938, N.Y., pp. 282-84.
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(4) Morency A. Wepman, J. M. 'Early Perceptual Ability and Later School Achievement', Elementary School Journal, Vol. 73, 1973, pp. 323-27.
(5) Morency, A. 'Auditory Modality, Research and Practice', in 'Perception and Reading', ed. Smith, H.K. International Reading Association, Newark, Del. 1968, pp. 17-21.
(6) Ker, Ruth, ed. 'You’re Not the Boss of Me! — Understanding the Six/Seven-Year-Old Transformation' (Spring Valley, NY: WECAN Publications, 2007).
(7) Schoorel Edmond, 'The First Seven Years: Physiology of Childhood', Rudolf Steiner College Press, 2004."
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